Educação
Patrimonial
O PROJETO
O ambiente que circunda um bem patrimonial recebe tecnicamente o nome de Zona de Amortecimento. A relação que esse ambiente e seus usuários têm de apropriação afetiva do patrimônio, o uso e a incorporação da edificação em suas histórias de vida, no fluxo de discurso de suas narrativas orais é a principal evidência do elemento-chave para o processo de validação do valor universal daquele bem, o Pertencimento.
O Grupo de Pesquisa “Patrimônio e Pertencimento”, tem realizado ampla e significativa pesquisa junto à comunidade de Santa Cruz dos Navegantes e comunidade da Praia do Góes, duas áreas vicinais à Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, em Guarujá, Estado de São Paulo. O Grupo de Pesquisa, cuja pergunta instigadora do processo questionava a construção e a perenidade desse sentimento validador, segue a hipótese de que há um senso de pertencimento do cidadão comum para com sua comunidade, presente na narrativa em um viés misto de influência religiosa, política e socioeconômica, porém com aparente carência de uma identidade cultural.
As visitas à Fortaleza e a interação com as comunidades, seja no registro de suas identidades ou na captação plástica dos detalhes que caracterizam a edificação e sua presença e relação com os usuários, faz com que surja uma intenção coletiva de preservação. Dá-se estímulo à sensibilidade histórica reativa, na memória de cada um, no coletivo dos habitantes e dos usuários do sítio histórico.
É importante frisar que esta pesquisa, bem como qualquer ação qualificada de um pesquisador, neste ou em qualquer outro espaço, deve, sempre, ter como aspecto conclusivo o planejamento de uma ação devolutiva para a comunidade com que o projeto trabalhou. A forma e característica dessa ação devolutiva resulta do entendimento dos elementos que estruturam o sentimento de pertencimento de maneira a manter e até mesmo ampliar tal relação. Entendemos que a garantia da preservação de um patrimônio passa pela ressignificação ativa constante de sua presença na vida da comunidade que dele se apropria. O ser humano preserva o que lhe é caro e aquilo que tem marca presente em sua história de vida.
OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL:
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Identificar as diversas narrativas que dão sustentação às formas pelas quais o patrimônio se constrói e reconstrói constantemente;
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Fomentar o senso de Pertencimento das comunidades da Zona de Amortecimentos da fortificação;
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Aumentar a alto-estima das comunidades, resgatando, pelas suas histórias, costumes e lendas, o senso de pertencimento e orgulho do habitante daquele território;
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Prover elementos, a partir de narrativas orais e de intervenções no território, para ressignificar a relação histórica com a Fortaleza;
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Estimular a iniciação de jovens estudantes de ensino fundamental na história que os cerca, ressignificando o bem e, ao mesmo tempo, criando laços novos com a comunidade e com a Fortaleza;
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Resgatar o interesse de jovens adolescentes no Bem patrimonial, dando a ele um caráter lúdico que alie história a narrativas fantásticas e a atividades de cunho gregário.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
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Criar e municiar um canal de comunicação (Site), primariamente intracomunidade e, em um segundo momento, como uma janela à Região para o potencial histórico, artístico e cultural das comunidades da Praia do Góes e de Santa Cruz dos Navegantes;
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Coletar narrativas orais (registros testemunhais) que contribuam para formação de um senso comum de pertencimento e orgulho da história comum entre os habitantes desse território;
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Coletar histórias que tipifiquem a região (lendas locais);
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Levantar uma coleção de dados iconográficos que sirvam de elemento de suporte e municiamento do Site do Projeto;
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Identificar conflitos urbanísticos e de caráter fundiário na região, que permitam uma ação futura de facilitação do processo de regularização.
JUSTIFICATIVA
O Grupo de Pesquisa Patrimônio e Pertencimento entende que é importante entender tal relação e eventualmente propor uma solução de uso construtiva e benéfica para todas as partes envolvidas.
Nos últimos 50 anos há hiatos na relação de apropriação do edifício da Fortaleza pela comunidade, com momentos de abandono e retomada. É essencial entender como se dá esse ciclo e tirar proveito disso para restaurar a relação de Pertencimento, criando um ciclo virtuoso de progresso e preservação.
Muito além da janela de oportunidade propiciada pela candidatura à Patrimônio Mundial, as duas comunidades que compõe a zona de amortecimento trazem consigo as marcas de exclusão típicas de assentamentos que surgiram de forma espontânea e não tiveram o devido tratamento estrutural por parte do Poder Público.
O mapeamento dessas fragilidades sociais e dos conflitos urbanísticos advindos do crescimento da comunidade, bem como o entendimento das forças políticas que agem sobre a região pode permitir uma facilitação em processo de regularização fundiária, mediação ambiental e união socializante dos habitantes desse território em torno de elementos histórico-culturais comuns a todos.
METODOLOGIA
Os diferentes aspectos da metodologia a ser aplica a caracterizam como Pesquisa in Progress. Como tal, há a definição de metas e um cronograma de aplicação de técnicas que migram de diferentes áreas do conhecimento convergindo e superpondo-se nas análises e avaliações das experimentações realizadas. A pesquisa torna-se, assim, um Projeto de Trabalho, tratado com o rigor da gestão aplicada não apenas na academia, mas principalmente em projetos de cunho industrial.
A abordagem aqui proposta, contudo, prega um recálculo de direcionamento quando da análise dos resultados de cada Etapa, fazendo dele um projeto que tem um mapa definido de desenvolvimento, mas cujo itinerário mostra-se passível de alterações durante o trajeto. Tal qual um aplicativo para aparelhos celulares que indica uma alteração na rota ao motorista quando se depara com obstáculo ou congestionamento, a mudança de caminhos e a consequente imprevisibilidade do trajeto reforçam que, mais do que resultados parciais, o que se busca é a construção de um processo referencial de pesquisa-ação, extremamente relevante e cheio de possiblidades quando se considera que a ausência de uma hipótese reforça a busca e o empenho do pesquisador em encontrar soluções que atendam as deficiências de cada aplicação da estrutura proposta rumo ao objetivo traçado.
Em essência, a estrutura metodológica, com insumos recebidos de diferentes áreas de conhecimento, bem como de metodologias complementares, está atrelada a uma abordagem qualitativa, mais indutiva, que tem no pesquisador seu principal instrumento. O olhar do pesquisador faz com que a essência do processo de pesquisa tenha na disciplina que deve caracterizá-lo, com a rigidez implícita de aplicação de um ou mais métodos, um paradoxo inevitável que surge e é inerente às mudanças, inovações e descobertas que ocorrem em paralelo a seu desenvolvimento: o surgimento de um novo olhar a cada Etapa. Essa tentadora atração do novo, tende a impelir o avanço em seara diferente, em um possível novo caminho que traz o desafio do desconhecido dentro do tema em questão. A manutenção do foco diante de tais tentações é condição do pesquisador ou grupo de pesquisa, que deve levar a termo a insatisfação constante com resultados apenas parciais. Nesse contexto, o objetivo específico que permeia todas as experimentações aqui descritas, e indica um horizonte de desenvolvimento, está na intenção de atingir um nível de registro que atenda a essência naturalista da intervenção, do interacionismo simbólico que se propõe, inicialmente no mapeamento de um conceito e, em um segundo momento, na aplicação das técnicas de registro, no caso específico do audiovisual, desenvolvidas para o tema em questão, comum aos subprojetos, Pertencimento, subsídio para o entendimento da ficcionalidade do discurso e sua manifestação diante da câmera.
A abordagem para as ações derivadas do interacionismo proposto como forma de ação neste projeto encontra suas raízes em uma indicialidade, como expressa por Ginzburg, que data o final do século XIX, quando as novas ciências (a Antropologia, a Psicanálise e a Semiótica) procuram resgatar certas habilidades cognitivas que, já nos primórdios da civilização, o homem havia desenvolvido para sua sobrevivência: identificar e seguir pistas. No século XX, esse paradigma começou a se firmar como um modelo científico nas ciências humanas, mantendo uma estreita relação com técnicas empregadas na crítica de arte, na psicanálise e na investigação social. Pode-se dizer que o paradigma indiciário consiste em “observar os pequenos fatos, dos quais podem depender as inferências mais amplas. Não confiar nas impressões gerais, mas concentrar-se nos pormenores.” (GINZBURG, 1989:149).
A citação de Agatha Christie no início deste intertítulo endossa o papel de investigador-detetive, aquele que considera todos os fatos, buscando nos detalhes, o indício que propele adiante a pesquisa. Quando tratamos de imagens, principalmente imagens em movimento, em toda sua fugidia realidade, a tarefa requer ainda mais cuidado. Barthes, quando propõe a desconstrução dos enunciados em seus elementos constitutivos analisando o processo fotográfico, afirma que “(...) toda imagem é polissêmica e pressupõe, subjacente a seus significantes, uma cadeia flutuante de significados, podendo o leitor escolher alguns e ignorar outros” (BARTHES, 1964:34).
A câmera configura-se como uma potência facilitadora da comunicação com o grupo de interesse pesquisado. O conhecimento obtido por meio da "Câmera Participante" não é um segredo roubado, mas um processo de troca. O filme (ou vídeo) não é tampouco pensado no registro documental - aquele que quer resgatar, salvar da extinção das culturas em processo de desaparecimento - mas é, para Jean Rouch, uma efetiva possibilidade de compartilhar com o grupo a produção de um conhecimento em si. (HIJIKI, 2006).
REFERENCIAL
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BARGO, Cesar; A Cidade e a memória histórica: relações de validação patrimonial do espaço público. In: Bens culturais e relações internacionais: o patrimônio como espelho do soft power/ Rodrigo Christofoletti (Org.), Santos, SP, Editora Leopoldianum. 2017
BARTHES, Roland, Retórica da Imagem - Communications. Paris: Seuil, 1964.
BUCCI, Eugenio, in MATRIZes Vol. 3, no. 1. P. 55-79. 2009.
CARR. Edward H. What is History? Cambridge:[s.n.], 1961.
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GINZBURG, C. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
HELLER, Agnes. Uma teoria da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.
HIKIJI, Rose Satiko G. Música e o Risco: Etnografia da Performance de Crianças e Jovens. São Paulo: Fapesp, 2006.
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NOVAES, Sylvia Caiuby. El filme etnográfico: autoria, autenticidad y recepción. Revista Chilena de Antropologia Visual, no. 15. pg. 103-125. Santiago: Agosto de 2010.
ORTIZ, Renato, Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985.
TRAJANO FILHO, Wilson. Lugares, pessoas e grupos: as lógicas do pertencimento em perspectiva internacional. ABA Publicações, Brasília: 2012.